Data is Cool: como usar cultura pop para ensinar sobre dados

A jornada de criação do nosso programa de Data Literacy nada típico

Adauto Braz

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Quando eu comecei no Stoodi, havia menos de 20 funcionários, todo mundo ia almoçar junto e pra saber quanto a empresa tinha faturado durante o dia, o CTO tinha que parar pra rodar uma query em SQL no banco.

Tempos mais simples, né?

Cá estamos, em 2019, uma empresa com quase 100 colaboradores, numa sede nova, dentro do maior grupo de educação do mundo e vários novos desafios para enfrentar.

Algumas coisas nunca mudam, porém.

Construir uma cultura data-driven toma tempo, esforço e MUITO trabalho.

Hoje, sou responsável pelo time de Dados e promover uma cultura orientada a dados é uma das minhas maiores preocupações. Será que estamos conseguindo empoderar nossos funcionários a usar os dados e tomar as melhores decisões possíveis?

Mesmo depois de estruturar nosso Data Lake, criar um pipeline de dados, disponibilizar os dados através do Metabase e ensinar todo mundo como usar a ferramenta, ainda há muito a se fazer para garantir que toda decisão seja tomada orientada pelos dados.

E porquê, você pergunta? É bem simples:

Nosso maior desafio não é ensinar as pessoas a usar ferramentas. A parte difícil é torná-las fluentes numa linguagem universalmente difícil: a dos dados.

Colaboradores com formação na área de exatas costumam ter mais domínio dessa linguagem, mas qualquer empresa tem muito mais do que só esse tipo de pessoa (Felizmente!). Em uma empresa verdadeiramente data-driven, todos deveriam ser capazes de ler, entender e comunicar dados como informação — habilidades que juntas compõem o conceito de Data Literacy.

Quando você desenvolve essas habilidades durante toda a faculdade, costuma ser muito mais fácil. Nosso desafio é fazer com que pessoas que nunca precisaram falar essa linguagem adquiram esse hábito e, gradualmente, fazer com que esse hábito seja a regra dentro da empresa. Foi nesse contexto que entendemos quais eram os próximos desafios que teríamos de enfrentar para continuar cultivando a cultura data-driven.

Como tornar dados "cool"?

Após fazer todo o dever de casa técnico que precisa ser feito antes de se falar de Data Literacy num nível organizacional, entendemos que nosso time ainda precisava desenvolver habilidades básicas no tocante ao trabalho com dados.

É fácil demandar habilidades das pessoas, esperando que elas se mexam pra ir aprender e se capacitar. Num contexto em que todo mundo tem muita coisa pra fazer, com demandas crescentes e tão pouco tempo, isso é só injusto. Logo cedo, entendemos que se isso era realmente uma prioridade da empresa, deveríamos agir de acordo, então decidimos arregaçar as mangas e construir nosso próprio programa de capacitação.

A pergunta então se tornou, como queremos que seja esse programa? Eu sabia como eu não queria que ele fosse: um daqueles treinamentos corporativos super entediantes e sem sentido, onde ninguém aprende nada. O que eu queria era criar uma experiência de aprendizado divertida e genuína que pudesse realmente ajudar as pessoas a desenvolver sua capacidade analítica.

Nas ideações sobre como tornar isso uma realidade, lembrei do framework da Perestroika de Experience Learning, o qual ressoou profundamente com o que eu acredito ser a maneira de gerar aprendizado verdadeiro e significativo. Baseado em algum dos principais pontos dessa abordagem, surgiu nosso programa: Dataischool — pra provar que é possível ensinar sobre dados de uma maneira legal.

Dataischool: Um programa nada óbvio

Enquanto pensava sobre o currículo do programa, eu tive uma ideia meio louca: Quão incrível seria se todas as aulas tivessem a ver com séries de TV? (Eu gosto bastante de cultura pop, então a associação foi quase instantânea). Depois de entrar numa salinha, ver uma lista enorme de séries no IMDB e passar uma boa hora fazendo todos os trocadilhos possíveis de "Data" e nomes de séries famosas, acabei chegando no que seria um dos grandes acertos do Dataischool: traduzir as ideias das aulas para um referencial acessível a todos e extremamente chiclete.

E foi assim que nossas 7 aulas acabaram se chamando:

Todas as aulas foram criadas fazendo uma conexão entre o nome da série com conceitos do mundo dos dados. Além disso, houve toda uma preocupação em inserir a aula no universo da série — tanto usando os mesmos elementos gráficos (cores e fontes), como criando uma história para situar os alunos dentro da história junto dos personagens e fazer análises em cima de dados reais relacionados ao contexto das séries.

O currículo do programa foi pensado para abranger diversos aspectos do mundo dos dados. De maneira resumida, os assuntos de cada aula foram:

  • A importância de ser letrado em dados
  • Os diferentes tipos de dados e a importância de entender o que está por trás do processo de coleta
  • Ferramentas matemáticas para entender os dados
  • Comportamentos estranhos que podem ser observados nos dados
  • Como fazer as perguntas certas para os dados
  • Que postura assumir ao iniciar uma análise
  • Como visualizar e contar histórias usando dados

Além disso, outra preocupação foi, dentro do possível, trazer os conceitos apresentados para o contexto dos dados que os participantes usam no cotidiano — sobre usuários, vendas, atividades dos usuários, etc — para torná-los cada vez mais habituados com as informações disponíveis.

No lançamento do programa para empresa, para despertar o interesse pela iniciativa, criamos até um vídeo teaser — como se fosse o vídeo de chamada de uma nova série — usando cenas "traduzidas" das séries que inspiraram as aulas.

As aulas aconteceram uma vez por semana, próximo ao horário do fim do expediente. Cada aula durava cerca de duas horas e tinha alguns momentos chave que sempre se repetiam:

  • Data Moments: 5 minutos iniciais da aula para alguém compartilhar sobre como foi o trabalho com dados durante a semana, dificuldades, situações e descobertas — com o intuito de habituar os participantes com esse tipo de discussão
  • Recap: Momento inicial de situar a aula dentro da série, com direito a história, diálogos e ambientação
  • Plot Twist: Após conteúdo teórico, momento da aula com uma dinâmica diferente para consolidar os aprendizados de maneira inusitada (Ex: fazer os participantes criarem formulários de avaliação de atendimento de um hospital que gerassem respostas enviesadas)
  • Case: Momento da aula para pôr a mão na massa na análise de dados, através de infográficos, dashboards ou bases de dados públicas — sempre relacionados ao universo da aula (Ex: Sistema Penitenciário, Violência Urbana, Saúde Pública no Brasil)

Nível de audiência: Os resultados do programa

Já sabíamos que medir o impacto de um programa como esse seria difícil, mas decidimos acompanhar como métrica a autoavaliação dos alunos. Fizemos a seguinte pergunta na primeira e na última aula:

Numa escala de 0 a 10, como você avaliaria sua capacidade de trabalhar com dados antes/depois do programa?

Os resultados foram um aumento da média de 6.5 para 8.9 — um aumento de 37% na confiança dos participantes em trabalhar com os dados.

Além disso, acompanhamos o uso da nossa ferramenta de disponibilização dos dados, o Metabase. Dos nossos 10 alunos, 6 tiveram um aumento significativo de uso da nossa plataforma de disponibilização de dados — com um crescimento médio de 125% na quantidade de consultas realizadas, comparando-se o período de 2019 antes e após o início do programa. Os outros 4 usam dados mais associados a plataformas de consulta que não são internas.

Para além dos resultados qualitativos, recebemos diversos feedbacks positivos:

“Gostei muito de ter as atividades depois da aula para podermos pensar como os dados estão presentes em nosso dia a dia no trabalho. As aulas foram muito produtivas, bem planejadas e muito criativas”

“Hoje eu penso de forma mais criteriosa as perguntas que quero responder analisando os dados e tento levar isso para outras áreas da vida, não apenas o trabalho.”

“Hoje eu consigo muito mais por a cara a tapa, apanhar das plataformas e dos dados, mas pelo menos eu me sinto mais capaz em entendê-los e colocá-los como um item de prioridade no meu dia a dia profissional. Hoje, eu me sinto segura em falar: vou puxar esse dado. Obrigada por isso, continue ajudando o povo de humanas, traumatizados com o passado da matemática”

Já estamos pensando sobre como expandir o programa, abordar novos assuntos e ajudar cada vez mais pessoas a trabalharem com dados.

Por fim, analisando todo o processo e o empenho em fazer a primeira versão desse programa, tenho uma certeza:

Todo mundo quer aprender. O que falta é usarmos uma linguagem acessível, trazer conteúdo relevante e criar experiências de aprendizagem que encantem.

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